Introdução
No Brasil os residenciais terapêuticos são uma proposta da reforma psiquiátrica que investe nas potências dos portadores de sofrimento psíquico, aposta na sua convivência urbana como cidadãos e busca concretizar o fim dos manicômios. Contudo, o manicômio não se faz somente com muros, a instituição não se constitui apenas de tijolos. Existe um manicômio mental que persiste e resiste aos movimentos antimanicomiais.
Vivenciamos em nossa prática, desenvolvida em um serviço de residenciais terapêuticos, o paradoxo de estar em um serviço substitutivo ao hospital psiquiátrico onde ainda se mantém presentes respingos de uma forma de relação com a loucura advindas do manicômio.
Ainda podemos perceber que na presença de alguém considerado louco, a maioria das pessoas se sentem ameaçadas, em risco potencial. Considerando que esse é um dos principais entraves da Reforma Psiquiátrica, problematizaremos, neste artigo, o imaginário popular do “louco perigoso” que estigmatiza as pessoas portadoras de sofrimento psíquico, a partir de uma situação vivenciada por uma moradora de um residencial terapêutico.
Loucura e Sociedade: pensando sobre as reformas
No Brasil, no ano de 1992, o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado a aprovar uma legislação orientada para a Reforma Psiquiátrica, que prevê a substituição progressiva de leitos em hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços substitutivos. Somente em 2001 houve a aprovação de uma legislação nacional. Ressaltamos porém, que não bastam apenas que sejam estabelecidas leis que prevejam o fim do manicômio. É preciso também que se constituam políticas públicas que viabilizem o que se propõem em lei. Ou seja, que uma rede de serviços substitutivos ao manicômio se torne realidade e possam assegurar a assistência dos usuários.
Para a constituição da rede de serviços substitutivos, consideramos importante marcar a diferença que existe entre os conceitos de desinstitucionalização e desospitalização. Os dois, inicialmente, podem parecer a mesma coisa, no entanto, Paulon (2003) ressalta a importante diferenciação teórica que existe entre eles.
Para Paulon, desospitalizar diz respeito, primeiramente à desmontagem gradativa dos grandes complexos de hospitais psiquiátricos. A desospitalização como estratégia de avanço no tratamento da saúde mental acontece em diferentes lugares do mundo em incontáveis propostas, muitas vezes polêmicas ou até excludentes, mas nenhuma delas defendendo a manutenção do hospício como está. Concomitante ao desmonte da organização manicomial, o termo aponta para a necessidade da criação de dispositivos e estratégias que venham a viabilizar outras formas de lidar com a loucura.
Desinstitucionalizar, segundo a autora, refere-se a colocar em questão a noção mesma de loucura, assim como das práticas e formas de relação que com ela estabelecemos seja na condição de doentes, técnicos, familiares ou comunidade em geral. A problematização das diferentes implicações que os atores sociais, profissionais de saúde ou não, têm com a instituição da loucura é o que pode permitir um avanço no processo de desinstitucionalização que, nesta medida, inscreve-se muito mais no plano dos processos de subjetivação do que das leis ou mesmo das medidas pedagógico-informativas.
Como dissemos anteriormente, um dos serviços pensados para concretização dos objetivos da Reforma Psiquiátrica é o Serviço Residencial Terapêutico. Este serviço está regulamentado no Brasil pela portaria 106 do ano de 2000 que apresenta os serviços de residenciais terapêuticos como sendo casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não.
Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro
Os Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro constituem-se de um total de 27 casas que foram erguidas em terreno que fazia parte do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Hoje as casas estão separadas apenas por um muro do terreno utilizado pelo manicômio, sendo que, existe acesso direto através de um portão que é utilizado por moradores e funcionários dos residenciais. O terreno onde estão as 27 casas está fundido ao da Vila São Pedro cujos moradores lutam pela regularização de seus terrenos e melhorias das suas condições de habitação. Agregou-se à construção dos residenciais terapêuticos, a construção de moradias populares para pessoas da Vila São Pedro. Tentemos fazer um esforço maior para que se possa visualizar a constituição geográfica do entorno dos residenciais. As casas estão em fileiras de nove casas em três ruas. Em duas delas, do outro lado da rua existem fileiras de casas de moradores antigos da Vila que receberam também casas construídas pela prefeitura. Na última delas, o outro lado da rua é um muro que limita o terreno com o terreno da Associação Médica do Rio Grande do Sul. Por sua vez, essa última rua dá acesso a uma importante avenida de Porto Alegre, sendo que, de um lado da estrutura descrita dos residenciais está o manicômio e do outro, casas da Vila São Pedro, muitas em estado precário, construídas com restos de madeira. O projeto inicial previa a construção de mais casas e melhoria das condições de habitação de um número maior de pessoas da Vila. O projeto estacionou, quando houve a troca de governo do estado , mas seus moradores continuam batalhando por ele.
Muitos moradores da Vila São Pedro trabalham como catadores de materiais recicláveis, o que caracteriza o espaço por amontoados de lixo seco, que dividem o espaço com crianças que brincam nas ruas, cavalos que ficam amarrados próximos as casas. Não se pode ocultar a fama que a Vila carrega de ser muito violenta e de ser um ponto de tráfico de drogas e desmanche de carros. Um lugar considerado perigoso de se estar e muito mais de se morar. É nesse espaço, comprimido em meio a tantas instituições imponentes no entorno – como um grande shopping, o manicômio mais antigo da cidade, o Instituto Psiquiátrico Forense, uma delegacia da policia civil, um quartel da polícia militar e outro do exército, uma Igreja, além de três avenidas com grande fluxo de veículos que ligam vários pontos da cidade - que o “os loucos perigosos” recém saídos do manicômio tiveram que se haver com os perigosos da vila, que também como os loucos do manicômio encontram dificuldade de inserção não-marginal no contexto da cidade contemporânea.
Inicialmente o projeto previa a criação de serviços residenciais em casas locadas em diferentes lugares da cidade. Isso não se concretizou devido a uma dificuldade de se conseguir alugar imóveis para recém saídos do manicômio. Como encontrar um lugar de moradia para um louco do hospício? A negativa foi o que se teve como resposta. A comunidade não conseguiu apostar numa outra possibilidade para aquele que imaginava poder habitar outro lugar que não o manicômio, e decretou: “não há casas para alugar para essa gente”. O lugar que restou foi a antiga Vila do Cachorro Sentado. Também não sabemos o quanto foi possível aos que lá estavam barganhar a aceitação ou não daqueles “novos moradores”. A aceitação da loucura no convívio do mesmo espaço social foi acordada com a comunidade através de uma troca: além da construção de casas para os egressos do hospital, a construção de casas para moradores antigos da vila. O sentimento que fica muitas vezes é do estabelecimento de uma relação de dívida na qual as casas oferecidas seriam o “pagamento” pela aceitação da loucura no convívio social daquela Vila.
Sabe-se que a construção dos residenciais nesse território gerou uma série de inquietações e questionamentos. Às pessoas ligadas a reforma psiquiátrica incomodou a proximidade com o manicômio e o quanto isso prejudicaria a desvinculação com o mesmo, a desinstitucionalização. E entenda-se que não é apenas a desospitalização dos moradores, mas também a desvinculação, o rompimento das formas de tratar, ou seja, a preocupação de não se tornar mais uma unidade do hospital que reproduza sua prática.
Outra inquietação sobre a localização geográfica dos residenciais é que sua construção em uma Vila estaria levando os moradores do Hospital Psiquiátrico São Pedro de um espaço de exclusão para outro. E, assim, estaria-se levando os “pacientes” para um lugar pobre e submetendo-os a um ambiente violento. A submissão a esse ambiente provocou a construção de um imaginário de que lá iriam morrer. Discurso esse que foi muito presente nas falas de moradores do Hospital quando questionados sobre seu interesse de mudar-se para o Morada São Pedro e de muitos funcionários das unidades onde estes residiam.
Poderíamos pensar o quanto os corpos dóceis apresentados por Foucault se instalam neste estado de acomodação com o que está dado, lugar pré-determinado historicamente. Como rebelar-se frente a isto que está posto? Quem sabe a formação de corpos indóceis se produza justamente da teimosia e da heterogeneidade dos ditos excluídos que, a partir de sua condição, se forçam a pensar para não serem domesticados na docilidade dos corpos.
Aqui não trazemos a essa partida bandidos ou mocinhos, bonzinhos ou mauzinhos, propomos a apresentação de uma realidade por nós vivida, da dificuldade da aceitação da diferença e tudo que dela implica. Daí, neste caso, estamos nos referindo a dificuldade da aceitação da possibilidade de um outro olhar para aquele “louco perigoso” que não está mais entre os muros do manicômio, mas insiste em tomar a rua e exigir seu lugar na cidade.
Há uma dificuldade no enfrentamento cotidiano de uma certa cultura de exclusão... cultura que tem horror daquilo que a loucura anuncia: uma certa desordem que escapa ao sentido daqueles que pretendem sustentar a utopia de realizar todo o controle da ordem social, mediante a segregação dos diferentes. A sociedade juntamente com a ciência, excluiu esses indivíduos para os porões da loucura e construiu argumentos inabaláveis para deixá-los por lá. Foi preciso construir a utopia de que era possível conter, controlar, mensurar aquilo que aparece como fora-da-lei. O mais forte desses argumentos é o da periculosidade, que determina a priori que a loucura é uma coisa muito perigosa e que todos os esforços devem ser realizados para excluir essa coisa louca do convívio social. (BARROS, 2001)
Voltamos a afirmar que derrubar o manicômio mental que existe dentro de cada um de nós seja realmente a tarefa mais árdua da luta pela reforma psiquiátrica. E é frente a constituição de pequenos fatos do cotidiano, que nos deparamos com situações limites e que exige de nós que ponhamos em prática ideais que vemos contemplados com facilidade na teoria. A seguir a história de Lisete e seus lampejos de insanidade talvez nos ajudem a ilustrar um pouco mais, as discussões que estamos propondo.
Lisete e seus lampejos de insanidade
Lisete, moradora egressa do Hospital, estava em frente a sua casa e agitava um cordão. O cordão acertou uma criança da Vila. Essa começou a chorar e foi procurar a mãe. A mãe, revoltada, veio junto com outros moradores tomar satisfação da suposta agressão. Quando uma funcionária do residencial aproximou-se, Lisete estava a ponto de ser linchada . A funcionária, no intuito de protegê-la, retirou-a da confusão e a levou para dentro do Hospital Psiquiátrico. Temendo que no retorno Lisete fosse agredida e, esperando que com mais tempo e sem a presença da mesma, a situação pudesse ser resolvida, essa foi encaminhada para uma internação.
Mais tarde, ao buscar-se informações sobre o que realmente aconteceu, Suzana, uma outra moradora do residencial terapêutico, relatou que Lisete estava brincando com o cordão girando-o e que, sem querer, acabou acertando a criança que se assustou. Ou seja, não havia a intenção de machucar/agredir a criança, mas aconteceu um acidente. No relato posterior verificou-se que Lisete tentou, inclusive, consolar a criança que chorava.
Pensando sobre o ocorrido levantaremos algumas problematizações na tentativa de tecer possíveis intervenções em situações futuras.
O que motivou a reação violenta da comunidade? Estaria relacionada ao imaginário de louco perigoso? Estaria ligada à relação de dívida constituída entre antigos moradores da Vila e ex-moradores do manicômio? Que tipo de atenção era demandada naquele momento? Que encaminhamentos poderiam ser dados no intuito de protegê-la? Deveria a moradora lidar sozinha com a situação? A palavra seria suficiente para se afirmar/atestar a sanidade de Lisete? Qual o papel do Hospital no momento que é escolhido enquanto espaço de acolhida e proteção em situações difíceis? Não poderia ser pensado como uma grande instituição da qual se quer fugir, mas é a primeira a ser procurada em momentos de “crise” e que a todos volta a acolher “incondicionalmente”? Existiria outro recurso da rede de serviços de saúde ao qual poderia se recorrer para proteger a moradora deixando-a afastada do ambiente hostil daquela vizinhança? Seria possível acessar outro serviço ou rede que não fosse o de saúde? Haveria algum conhecido, familiar, outro residencial terapêutico, um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), hotel ou outros lugares que pudessem acolher Lisete naquele momento?
A principal questão talvez seja: como oferecer proteção e cuidado à referida moradora quando se trabalha na perspectiva da reabilitação psicossocial? A tendência dos funcionários, nessa hora, é de afirmar que o morador é paciente psiquiátrico e que assim os demais devem ser tolerantes com ele. Deve-se retirar o paciente da posição de poder responder por si mesmo? Então perguntamos o que é reabilitação psicossocial?
Entendemos que, se a moradora não estava podendo responder por si na hora, não poderia se defender. Acreditamos ser papel do funcionário/cuidador do Serviço Residencial Terapêutico estar junto, ajudá-la nesta situação difícil para que possa lidar melhor com situações futuras semelhantes. Com essa intervenção entendemos estarem contemplados alguns objetivos do Serviço Residencial Terapêutico, da Reforma Psiquiátrica e do que pressupomos por reabilitação psicossocial.
Quando se trata de reabilitação psicossocial, entendemos que o que menos temos são respostas prontas. Temos sim, alguns recursos norteadores e um questionar-se constantemente sobre o melhor caminho a ser seguido. Além disso, é necessário colocarmo-nos em análise, bem como repensar constantemente a prática que realizamos. O estranhamento frente ao óbvio e frente as freqüentes naturalizações – da comum resposta: “é assim mesmo” – é o que se busca quando pensamos em uma clínica política permeada pelo social.
Por isso, a luta antimanicomial implica necessariamente a politização da clínica. Politizar é: retirar a clínica da saúde mental de sua tradicional função de controle social, feita em nome de ditames técnicos e científicos, para colocá-la a trabalho pela autonomia e independência das pessoas. Trata-se de aproveitar as vantagens trazidas pelos avanços da técnica e da ciência, redimensionando, porém seu lugar e importância no trato da loucura. Trata-se de retirar a prática psi do âmbito narcisista onde se instala, para apontar-lhe uma direção para além de si. (Giacoia Jr, 2003)
Permeados pela idéia de uma clínica política apresentamos dois conceitos com os quais trabalhamos e que nos ajudam a entender reabilitação psicossocial.
Para Ana Pitta (1996), reabilitação psicossocial é uma atitude estratégica, uma vontade política, uma modalidade compreensiva, complexa e delicada de cuidados para pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade habituais que necessitam cuidados igualmente complexos e delicados.
A reabilitação não é a substituição da desabilitação pela habilitação, mas um conjunto de estratégias orientadas a aumentar as oportunidades de trocas de recursos e de afetos: é somente no interior de tal dinâmica das trocas que se cria um efeito “habilitador”. “Daí podemos dizer que a reabilitação é um processo que implica a abertura de espaços de negociação para o paciente, para sua família, para comunidade circundante e para todos os serviços que se ocupam do paciente: a dinâmica da negociação é contínua e não pode ser codificada de uma vez por todas, já que os atores (e os poderes) em jogo são muitos e reciprocamente multiplicantes. (Saraceno, 2001)
No caso apresentado, verificou-se que não houve realmente uma agressão por parte de Lisete Mas, se um dos moradores dos residenciais terapêuticos realmente agredisse outra pessoa? Qual seria o encaminhamento que deveria ser dado? Deveria ser envolvida a polícia? Poderia ter sido presa?
O Cuidado
O residencial terapêutico representa um esforço para que os portadores de sofrimento psíquico possam estar ressignificando seu lugar no social enquanto cidadãos. Assim sendo, têm uma série de direitos e também de obrigações. Portanto, como lidar com uma possível agressão? Deve o morador do residencial terapêutico estar sujeito a legislação como todo e qualquer cidadão?
Em seu livro “os anormais” Foucault trabalha como essa problemática e como a constituição do anormal está relacionado ao crescimento do poder da psiquiatria. Criando o doente mental, criou-se, também, o estigmatizado louco. O estigmatizado/diagnosticado louco não pode ser julgado como normal por estar doente e não deve ser punido, mas sim tratado. Quem deve decidir, se a pessoa deve ser punida ou tratada, é aquele que detém o saber-poder para tal: o psiquiatra. Define-se, então, se o louco deve ser preso ou levado a algum manicômio, que está muito mais próximo de um espaço punitivo do que terapêutico.
No caso de incidente criminoso, alguma atitude deve ser tomada. No entanto, uma atitude punitiva não pode ser tomada como medida preventiva a partir de um julgamento moral que antecipa o incidente criminoso. Aproveitamos a proposta ilustrada no filme Minority Report , no qual alguns telepatas tinham visões de incidentes criminosos que viriam a acontecer e, para preveni-los, a justiça pune o que estaria por acontecer. A construção de manicômios é justamente isso. Considera-se que aquele que apresenta sinais de sofrimento psíquico deva ficar trancado por ser um “louco perigoso”.
Não podemos esquecer que se as pessoas estão no espaço de um residencial terapêutico é porque estão precisando receber algum tipo de cuidado. Caso contrário, deveriam já estar ocupando outros espaços/casas na cidade. O residencial pode servir como passagem para esse outro estágio. Podemos pensá-lo como um espaço de exercício por parte dos usuários de responsabilidade sobre suas atitudes, onde aos poucos se possa estar vivenciando uma maior autonomia.
Entendemos autonomia como a capacidade de um indivíduo gerar normas, ordens para sua vida conforme as diversas situações que enfrente, assim, não se trata de confundir autonomia com auto-suficiência, nem com independência. Dependente somos todos; a questão dos usuários é, antes, uma questão quantitativa: dependem excessivamente de apenas poucas relações/coisas. Essa situação de dependência restrita/restritiva é que diminui sua autonomia. Somos mais autônomos quanto mais dependentes de tantas mais coisas pudermos ser, pois isso amplia as nossas possibilidades de estabelecer novas normas, novos ordenamentos para a vida. (Tykanori apud Tenório, 2001)
Considerações Finais
Apresentamos a situação vivenciada por Lisete, pois nos remeteu à questões chaves da Reforma Psiquiátrica como o convívio com a diferença, a desconstrução manicômio mental e do imaginário social do “louco perigoso”, a autonomia dos portadores de sofrimento psíquico, enfim, a desinstitucionalização para além da desospitalização.
Acreditamos que aos poucos o mito de que o portador de sofrimento psíquico irá sempre agredir se desfaça. Barros (2001) diz que a periculosidade enlaçada à loucura é uma construção do imaginário social, porque o perigoso é aquilo que emerge sem controle, sem juízo, sem ordenação... está fora da lei da civilização. A loucura não é a única casa que o fora-da-lei pode visitar, ele pode emergir em qualquer lugar, o fora-da-lei habita o mundo, ronda o homem na sua relação com o social, a cultura... o fora-da-lei é real.
A desconstrução do imaginário do “louco perigoso” está contida na destruição dos “manicômios mentais” (Pelbart, 1993). Essa destruição passa por estratégias múltiplas de mudanças pessoais, grupais e institucionais através de novas práticas reafirmadas com resultados de inserção, encontros, debates, capacitações e abertura para a construção coletiva da desinstitucionalização.
O residencial terapêutico é um dos recursos de reabilitação psicossocial que visa intervir na imagem do “louco perigoso” e potencializar a desinstitucionalização da loucura. Ressaltamos a importância de que não se espere que essas mudanças se dêem apenas através da interveção junto ao portador de sofrimento psíquico, mas que as práticas de saúde mental se interponham também na sociedade como um todo, afetando as relações de negociação da loucura com o social.
Referências bibliográficas
AMARANTE, Paulo. Asilos, alienados e alienistas: pequena história da psiquiatria no Brasil. In: AMARANTE, Paulo (Org.). Psiquiatria social e reforma psiquiátrica . Rio de Janeiro: Fiocruz, (1992). p.73-84.
AMARANTE, P. & BEZERRA, B. (orgs.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.
AMARANTE, Paulo (org). Archivos de saúde mental e atenção psicossocial . Rio de Janeiro: Nau Editora, 2003.
BARROS, Fernada Otoni. PAI-PJ – Projeto de Atenção Interdisciplinar ao paciente judiciário . In: Cadernos de Texto de Apoio da III Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Saúde, 2001.
BASAGLIA, Franco. A Psiquiatria Alternativa . São Paulo: Brasil Debates, 1979.
_________________ A Instituição Negada . Rio de Jneiro: Graal, 1985.
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico . Rio de Janeiro: Forense – Universitária, 1982.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia . Lisboa: Assírio & Alvim, 1972.
DELEUZE, G.(orgs.). Saúdeloucura 2 . São Paulo: Hucitec, 1989.
FOUCAULT, Michel. A história da loucura na Idade Clássica . São Paulo: Perspectiva, 1978.
__________________ Vigiar e punir . Petropolis: Vozes, 1988.
__________________ Microfísica do poder . Rio de Janeiro: Graal, 2000.
__________________ Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Prefácio. In: LOBOSQUE, Ana Marta. Clínica em movimento: por uma sociedade sem manicômios. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos . São Paulo: Perspectiva, 1974.
_________________ Estigma . Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
GUATARRI, Félix. As três ecologias . São Pulo: Brasiliense, 1989.
LANCETTI, Antônio. Loucura Metódica . In: SaúdeLoucura . São Paulo: Hucitec, 1992.
PALOMBINI, A. L. O Louco e a Rua: a clínica em movimento mais além das fronteiras institucionais. Revista Educação, Subjetividade e Poder , 1999, número 6, volume 6, p. 25 – 31.
PALOMBINI, Analice. Acompanhamento terapêutico na rede pública: a clínica em movimento . Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
PAULON, Simone Mainieri. Projeto de Pesquisa Desinstitucionalização da loucura, práticas de cuidado e a reforma psiquiátrica no RS . São Leopoldo: Unisinos, 2003.
PELBART, Peter Pal. Manicômio Mental: a outra face da clausura. In: SaúdeLoucura . São Paulo: Hucitec, 1992.
__________________ O fora da clausura, a clausura do fora . São Paulo: Hucitec, 1994.
__________________ A Nau do Tempo Rei: sete ensaios sobre o tempo da loucura. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
PITTA, Ana. Reabilitação Psicossocial no Brasil . São Paulo: Hucitec, 2001
ROTELLI, Franco. Desinstitucionalização: uma outra via. In: SaúdeLoucura 3 . São Paulo: Hucitec, 1992.
SARACENO, Benedetto. Libertando identidades . Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Te Corá Editora/Instituto Franco Basaglia, 2001.
TENÓRIO, Fernando. A psicanálise e a clínica da reforma psiquiátrica . Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
Antigamente chamada de “Vila do Cachorro Sentado”.
Linchada foi o termo utilizado pela funcionária que presenciou a situação de possível agressão.
Filme do ano de 2002, dirigido por Steven Spielberg e protagonizado por Tom Cruise.